14 de maio de 2014

Uma carta de agradecimento para quem faz questão.

Toda vez que eu fecho minha mala abro vista para a contemplação. Eu temo ficar só com a reminiscência ou não lembrar do gosto, só que era bom ou ruim. E minha pequena fábula começa a se desenrolar bem em frente aos meus olhos.
Foi assim na Bolívia: o gosto azedo da cultura extravagante, o cheiro forte de urina, o toque macio da neve, o ar rarefeito das montanhas, a Pacha Mama (Mãe Terra) que paira, ora furiosa, ora ternura. Lembro bem que meus pés tocaram o solo brasileiro com 50 tons de alívio. Ufa, aqui tem feijão, axé, segurança, português, amizade... Nem dei saída do país, só pensava no churrasco do pai.
Mas, assim que minha mala fechou de vez, não pude conter o emocionante “caralho”. Que foi que eu fiz? Que dias foram esses? Que mais falta eu fazer?
A cada nova experiência, eu quero sempre mais. Como um PACMAN que não se contenta mais com os petiscos da tela, mas quer também ser jogado em 3D. E, por vezes, me jogo de cabeça na armadilha que eu mesmo criei.
Por várias vezes eu preciso repetir (se não, me esqueço) que Anitta nunca poderá fornecer de maneira igual à Maria Rita. E vice versa. O tom não é o mesmo. A rima, a ginga, o vocabulário e a natureza também não. Eu sei. Mas ainda quebro a cara.
E é assim que começo contando da minha última viagem. Fomos em bastante gente. Já estive na estrada com mais, todavia o número era apropriado. Minha mala foi cheia. Não de roupa, mas pesava o que ali havia de abstrato: amor, apreensão, experiência, línguas diversas, receio, vontade e uma pitada de medo.
Já é difícil eu topar uma viagem dessas com gente desconhecida. Quiçá com gente conhecida e sem tempero ou temperada com coentro. Odeio coentro. Mas fui, confiante.
É tão frustrante quando não é mais. É tão decepcionante quando não me surpreende. E então me pego a pensar: de quem eu exijo tanto? De mim mesmo ou dos outros? Da viagem ou de Deus mesmo? Vou poder acordar no outro dia, riso de canto, dizendo a máxima de qualquer jovem que preza pela vida como eu: “valeu a pena”?
Tão clichê, tão adolescente, mas tão verdadeiro né?
Viver a vida como Pollyana é perceber que, na verdade, seu time sempre tá ganhando. Pode rolar a goleada que for, a eliminação na copa do mundo ou a não classificação para as quartas de final, mas o time é sempre vencedor. A minha facilidade um pouco mais apurada em encarar a vida de tal maneira é meu grande trunfo quando encaro de frente o mundo real. Até quando? Não sei. Mas, ora bem cedo, ora com um pouco mais de suor, sempre encontro os fins que justificam os meios.
Realmente, não foi mais nada que qualquer outra viagem. Mas ganhei de virada.
Encontrei com uma mulher. Pedi por ela, e ela veio bater um papo. Sabe aquela a quem Deus disse que poria a descendência da cobra contra a descendência dela? Aquela que muitos conhecem, mas poucos reconhecem? Atendeu meu pedido e veio aqui. Pra nunca mais eu querer que vá.
Se parasse por aí, eu já me diria contemplado. Custou um pouco de solidão tal encontro, mas teria me satisfeito. Mas presente quase nunca vem sem embrulho e o meu também não veio. Aliás, veio com esses embrulhos que se quer guardar de tão belo que é.
De todas as pessoas que caminharam lado a lado comigo, algumas fizeram questão. Quem faz questão tem consciência do que quer e não perde oportunidade. Esse tipo de gente é decidida, tem atitude. Eu sou um tanto assim, faço questão de estar perto, de rir junto, de lembrar que eu faço questão, e quando eu encontro quem também o faça... A química nem tenta explicar essas reações, porque transcendem os átomos. É mistério mesmo. Deus mesmo.
Gente assim eu guardo e não deixo empoeirar.
Pudera eu mensurar e traçar em unidades de medida o pedaço de bondade que me deixaram. Mas talvez assustaria.
Desta vez, eu fecho minha mala pensando nestes. E uma prece eu elevo aos céus pela vida deles. Que de hoje em diante eu não perca sequer uma oportunidade de deixar um traço meu na folha de outro, tal qual eles fizeram na minha. Que mesmo que irregulares, meus rabiscos não deixem mais as folhas de quem passa por mim em branco. Que eu não passe pela vida de alguém sem deixar um sinal.